30.7.17

E a história olímpica se reescreve, mais uma vez


Pelo visto, será anunciado em setembro, na Sessão do COI em Lima, que Paris sediará os Jogos Olímpicos de 2024 e Los Angeles, os de 2028. Na minha opinião, é a melhor opção. O anúncio de que as sedes de duas Olimpíadas serão anunciadas simultaneamente (pelo que sei, isso só ocorrera duas vezes: a primeira em 1894, para decidir as sedes das duas primeiras edições, em 1896 e 1900; a segunda, em 1921, para escolher quem sediaria em 1924 e 1928) foi, segundo o COI, para cortar gastos – levemos em consideração que, depois de um período de forte concorrência em que quase uma dezena de cidades mundo afora se acotovelava para tentar receber as Olimpíadas (fenômeno que teve seu ápice nos anos 1990 e 2000) devido à potencial lucratividade, parecemos voltar à época em que poucas cidades concorriam a sede olímpica (a própria Los Angeles, em 1978, foi candidata única a receber os Jogos de 1984 e – desnecessário dizer – deu as cartas o tempo todo para impor as suas regras na organização do evento, fazendo o COI praticamente seu refém).

A cidade californiana, aliás, é considerada a grande responsável pela onda de candidaturas que tomaria conta do movimento olímpico dos anos 1980 aos 2000. O grande sucesso comercial dos Jogos da XXIII Olimpíada – que geraram lucro, algo inédito na história olímpica – provocou uma intensa corrida aos milhões de dólares que o status de sede olímpica poderia gerar. Antes disso, em 1981, apenas duas cidades haviam se prontificado a receber a Olimpíada de 1988 – a japonesa Nagoia e a sul-coreana Seul, que seria a vencedora e sediou os Jogos também de forma bem sucedida, embora não tanto como Los Angeles. Já em 1986, dois anos depois do estrondoso sucesso americano, nada menos que seis cidades se candidataram a sediar os Jogos Olímpicos de 1992, e a espanhola Barcelona foi a vencedora. Em 1990, mais seis cidades sonharam em receber a Olimpíada do Centenário, em 1996. Atenas era a favorita, mas a americana Atlanta ganhou. A concorrência era tão gigantesca (em quantidade e qualidade, pois eram cidades altamente relevantes as que queriam esse prêmio) que o COI chegou a impor uma “primeira fase” de cidades concorrentes, eliminando as menos qualificadas e restringindo a escolha da sede olímpica a quatro ou cinco finalistas. O ápice da insanidade olímpica foi a escolha para os Jogos de 2004. Em 1997, onze cidades queriam receber a primeira Olimpíada do Terceiro Milênio. Entre elas, o Rio de Janeiro – eliminado na primeira seleção, com outras cinco cidades. Atenas foi a vencedora.

Os cariocas teriam a sua vez doze anos depois, quando foram escolhidos para receber os Jogos da XXXI Olimpíada, em 2016. Primeiramente, qualificou-se à fase final com outras três cidades concorrentes (Chicago, Madri e Tóquio), eliminando outras três (Baku, Doha e Praga). Em 2 de outubro de 2009, a cidade foi escolhida, tornando-se a primeira localidade da América do Sul (e a primeira da América Latina desde 1968) a receber o evento. Até então, sediar uma Olimpíada era a oitava maravilha do mundo – ainda tínhamos na mente a fantástica Olimpíada de Pequim, no ano anterior ao da escolha. Fora uns e outros problemas em Jogos anteriores (como os problemas tecnológicos de Atlanta, os atrasos nas obras e os elefantes brancos de Atenas e a poluição de Pequim), uma Olimpíada era vista como um grande negócio. E o futuro era promissor, considerando que a Olimpíada seguinte (a de Londres, em 2012) era vista como sustentável e econômica, já que o mundo tinha acabado de passar por uma grave crise financeira.

Mas Londres, apesar da organização elogiável, não foi tão bem no seu intento de aproveitar a estrutura provisória de alguns locais de prova. Antes de esta Olimpíada se iniciar, o Rio se inspirou em algumas ideias londrinas, mas até hoje não conseguiu pô-las em prática: a transformação da Arena do Futuro (sede do handebol na Olimpíada e do golbol na Paralimpíada) em quatro escolas públicas gorou por falta de condições financeiras; o Parque Radical de Deodoro, sede de várias modalidades olímpicas, ainda não abriu para a população da região, ao contrário do que era prometido antes da Olimpíada; a Arena da Juventude, palco do basquete e do pentatlo moderno, não mais funcionou depois do encerramento olímpico, permanecendo fechada onze meses depois do encerramento dos Jogos. Ao mesmo tempo, para desespero do COI, os altos gastos e custos de sediar uma Olimpíada, que vinham se tornando maiores que eventuais bônus, começaram a causar desinteresse de potenciais cidades em receber atletas do mundo inteiro.

Um ano depois dos Jogos de Londres, apenas três finalistas concorreram a sede da Olimpíada de 2020. Inicialmente, seis cidades se aplicaram a tal – mas Roma desistiu no meio do caminho, e Baku e Doha novamente não foram aprovadas. Istambul, Madri e Tóquio foram à fase final, e a capital japonesa – que era a grande favorita, depois de terminar atrás apenas do Rio para 2016 – foi a vencedora. Contudo, os altos gastos do Rio, justamente quando o Brasil vivia a mais grave crise financeira de sua história, serviram como fonte de desinteresse para as cidades postulantes a 2024. Das cinco cidades iniciais, três desistiram – Hamburgo, Roma (pela segunda vez consecutiva) e Budapeste, nessa ordem. Apenas Los Angeles e Paris ficaram no páreo. O COI temia que mais nenhuma cidade tivesse interesse em receber os Jogos – ou, pior, apenas uma cidade quisesse receber os Jogos de 2028 e ditasse as regras do jogo, exatamente como Los Angeles fez para ganhar o direito sobre 1984. Com isso, ganhou força a possibilidade de as duas cidades receberem Olimpíadas consecutivas – uma em 2024, a outra em 2028. E essa proposta triunfou.

No momento, Paris é a favorita para receber os Jogos da XXXIII Olimpíada e os XVII Jogos Paralímpicos, em 2024; Los Angeles, os Jogos da XXXIV Olimpíada e os XVIII Jogos Paralímpicos, em 2028. As duas cidades têm boas estruturas, faltando apenas obras pontuais. Se elas não fizerem nada megalômano e tiverem responsabilidade com o dinheiro dos seus respectivos contribuintes, terão tudo para organizar excelentes Olimpíadas e, quem sabe, novamente despertar o interesse de várias cidades de todo o mundo em receber o maior evento esportivo mundial.

Curiosidade histórica: lembram quando, lá no início do texto, foi ressaltado que esta deverá ser a terceira vez em que o COI anunciará simultaneamente as sedes de duas Olimpíadas consecutivas? A cidade de Paris esteve envolvida em ambas: ela sediou em 1900 (foi anunciada junto com Atenas, que recebeu os Jogos da I Olimpíada, em 1896) e 1924 (a holandesa Amsterdã foi anunciada como sede da Olimpíada seguinte, que seria em 1928).